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POEIRA E BATOM – 50 MULHERES NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA (2010)

Direção Tânia Fontenele – 58 min. Colorido/P&B 

 

O filme documentário Poeira e Batom mostra a participação das mulheres no processo inicial da nova capital do Brasil, construída no centro do país entre 1956 e 1960. Apresenta relatos de 50 mulheres provenientes de vários estados brasileiros e algumas estrangeiras e que trabalhavam em vários ofícios como: lavadeiras, professoras, cozinheiras, camioneira, prostituta, engenheiras, dentre outras profissões. O filme apresenta de forma inédita o protagonismo feminino na história da cidade. 

 

O Poeira e Batom busca valorizar e preservar as Memórias Femininas da construção de Brasília mostrando a saga e determinação de mulheres que aceitaram o desafio de criar uma moderna cidade no centro do Brasil.

 

A historiografia sobre a construção da nova capital do Brasil- Brasília é marcada pela exaltação da performance do Presidente JK, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Burle Marx ou dos candangos (trabalhadores das obras), todos homens. Raramente as mulheres foram lembradas ou mencionadas nesse momento histórico. O filme recupera as memórias de mulheres corajosas que aceitaram o desafio de morar em condições precárias nos acampamentos de madeira, muitas vezes sem água e ou luz, no meio da poeira e lama das construções da nova capital do Brasil. Importante registro de vozes de trabalhadoras pioneiras que foram invisibilizadas pela historiografia oficial. 

Link para o documentário:    https://youtu.be/tnVre1turYw

Brasília: quebra de paradigma para as mulheres pioneiras*

 

A busca dos vestígios da participação das mulheres na história da construção de Brasília é um grande desafio de investigação e interpretação. Nos faz refletir, de maneira mais aprofundada, sobre o entendimento de que o passado é uma construção histórica, no qual nos proporciona múltiplas possibilidades de abordagens, além de nos fazer refletir sobre o que constitui o valor de nossa pesquisa, questionando o lugar da “mulher” como sujeito e objeto do conhecimento histórico.

 

Nesse sentido, em 2009, com a proximidade da celebração dos 50 anos da inauguração de Brasília, percebendo que seria a oportunidade de rever a historiografia oficial, propondo questionar a ausência de narrativas sobre a participação das mulheres na história da nova capital do Brasil. Questionava-se o esquecimento e silenciamento do feminino na história de Brasília, o que favoreceu a criação do projeto “ Mulheres Invisíveis da construção de Brasília”, com o intuito de entrevistar 50 mulheres que chegaram nos primórdios da cidade, entre 1956 e 1960, recuperando suas memórias enquanto estivessem vivas.

 

Selecionamos mulheres de diversas profissões, de classes sociais e vindas de várias regiões do Brasil. Priorizamos aquelas que nunca tiveram a oportunidade de contar suas vivências da cidade que viu ser construída. Vimos a urgência de realizar a pesquisa, uma vez que essas mulheres pioneiras estavam com idade avançada e o risco de perdemos as “memórias orais femininas” era eminente. Iniciamos a pesquisa, registrando os depoimentos para a realização do documentário denominado Poeira e Batom no Planalto Central – 50 mulheres na construção de Brasília.

 

Esse filme foi apresentado em festivais nacionais e internacionais, recebendo grande receptividade de público e mídia. Complementando a pesquisa, foi montado livro com imagens raras do início de Brasília permeando os testemunhos das mulheres pioneiras e a montagem. Para o lançamento do documentário foi montado no Museu da República de Brasília, uma exposição fotográfica e de objetos da década de 60 pertencentes das famílias pioneiras.

 

Denominou-se essa exposição de Memórias Femininas da construção de Brasília, na qual foi possível fazer a reconstrução representativa dos espaços vivenciados durante a construção de Brasília, representados pela casa (residências provisórias nos acampamentos), local do trabalho e lazer das mulheres

pela esperança e orgulho em relação ao nascimento da nova cidade:

 

“Cheguei em 1958, não havia quase nada na Cidade Livre. Vi aquele descampado, casinhas pequenas de madeira, muita poeira. Foi amor à primeira vista. Depois de uma viagem de Jeep do Rio até Brasília, demoramos 10 dias para chegar, percorremos estradas que nem estavam construídas, tivemos que muitas vezes derrubar árvores no meio do caminho. Passamos por muitos perigos. Quando chegamos em Goiânia ninguém acreditava que havíamos vindo de tão longe”.

 

“ Na cidade faltava tudo, não tinha água ou luz, quase não tinha asfalto, cheirava à piche em algumas áreas e os barracos da NOVACAP eram todos pintadinhos de azul...” lembra a professora Teresinha Carvalho. “Quem fala mal dos candangos e do início de Brasília, não sabe de nada, e mostra muito preconceito. Havia muito respeito e solidariedade, apesar de toda a precariedade. Me sentia colaborando para a construção de um Brasil melhor e não sentia medo de coisa alguma. Me sentia segura naquela cidade simples, coberta de poeira. Andava tranquila pelas obras, não escutava piadinhas, nada! Pegava carona sem medo, era como se fosse da família dos motoristas. Sinto saudades desse tempo do início de Brasília. Muito idealismo, uma utopia que estávamos ajudando a realizar. Brasília era linda no meio da poeira das construção. Moderna, diferente de tudo o que se viu no Brasil, ”.


Cabe mencionar que no Brasil, da época da inauguração de Brasília, as conquistas sociais e trabalhistas para as mulheres ainda eram muito limitadas. Prevalecia as representações sociais tradicionais – mãe, família, dona- de- casa exemplar– permanecendo atreladas, na sua grande maioria, ao espaço privado – ao doméstico.

 

Porém, a construção de Brasília representou para muitas mulheres quebra de paradigmas, fato constatado em pesquisa realizada sobre as Memórias Femininas da construção de Brasília por Tânia Fontenele (2010, 2013). Nessas pesquisas, são evidenciado, o quanto as mulheres contribuíram efetivamente para o processo de formação da cidade, contrapondo o silêncio das fontes oficiais, que nunca mencionavam a participação feminina, dando a impressão de que não havia mulheres na fase inicial da cidade (1956-1960).

Ao dialogar com as primeiras senhoras de Brasília percebeu-se exatamente esse processo do recontar a “história da história” pela perspectiva das mulheres. Desta forma, foi possível refletir sobre a importância das mulheres pioneiras no processo de formação e de transformação das relações sociais na construção de Brasília. Elas mostravam que foram capazes de romper rígidos processos impostos socialmente às mulheres, e com suas memórias foi possível, nos proporcionar ensinamentos de suas lutas e conquistas, exibindo a “ história não contada” na historiografia oficial de Brasília.


O reconhecimento da presença desigual das mulheres na esfera pública e a desvalorização do trabalho realizado pelas mulheres no início de Brasília, bem como, o silenciamento de sua participação feminina na historiografia da construção de Brasília, vão de encontro às discussões elaborados pelo pensamento feminista em que se evidencia a dualidade entre a esfera pública e a esfera privada, onde são contestadas a naturalização dos papéis sociais impostos às mulheres e o seu consequente esquecimento na historiografia social.


Ao evocar as memórias das primeiras mulheres que chegaram para a construção de Brasília, de certa forma, iniciou-se um processo de trazer para o presente os fragmentos de suas vivências que marcaram suas vidas e que estavam perdidas nas lembranças da poeira dos redemoinhos na imensidão do Planalto Central descampado.


Ao criar condições para o registro e valorização das memórias femininas da construção de Brasília, evidenciando o olhar feminino sobre os fatos históricos da cidade, quebrou-se uma lógica predominante da narrativa masculina do processo da construção de Brasília, onde usualmente a historiografia oficial foi escrita e publicada. Pode-se, assim, proporcionar o surgimento da “ história das mulheres de Brasília”, apresentando com maior ênfase a temas antes relegados, como: violência contra às mulheres, relações desiguais entre homens e mulheres, maternidade, novas relações de gênero e a precariedade das moradias nos acampamentos de madeira.


Reconhecer a participação das mulheres no processo da construção de Brasília é relevante para evidenciar o quanto a história oficial da nova capital do Brasil precisa ser revisada, gerando uma reorganização de suas representações. Cabendo conferir visibilidade pública da presença das mulheres nessa história, preservando a memória da cidade e contribuindo para a retirada do feminino do apagamento de suas atuações na memória social. Assim sendo, dar-se um passo importante para que o silenciamento historiográfico praticado em relação às mulheres da construção de Brasília seja algo do passado.

* Trecho de MULHERES NA CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA - INVISIBILIDADE FEMININA NA HISTÓRIA DA NOVA CAPITAL DO BRASIL, de Tânia Fontenele, apresentado no Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress, Florianópolis, 2017. ( http://www.wwc2017.eventos.dype.com.br/site/anaiscomplementares#M )

 

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